Especial
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Retorno de craques: Reflexões Jurídicas |
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Retorno dos craques: reflexões jurídicas e futebolísticas.
Dr. Jorge Luiz Azevedo Nunes*
O futebol brasileiro está passando por um momento peculiar, de retorno de atletas consagrados mundialmente do futebol europeu para clubes do nosso país. Em que pese ainda não ter havido o retorno de qualquer atleta na melhor fase da carreira desde Romário em 1995, que retornou ao Brasil para jogar pelo Flamengo pouco depois de ser eleito o melhor jogador do mundo no ano anterior pela FIFA, jogadores que retornaram, como Rivaldo, Deco, Roberto Carlos, Fred, Robinho e, principalmente, Ronaldo e Ronaldinho, atraem grande atenção da mídia, dos fãs de futebol em geral e, principalmente, de grandes empresas, dispostas a investir cifras milionárias nas agremiações que contam com esses craques.
Nenhum desses recentes retornos, conforme já mencionado, ocorreram no auge da forma técnica ou até física. Esses atletas não exibiram na maioria dos jogos dos seus respectivos clubes todo talento de outrora, exibidos em clubes da Europa ou mesmo na seleção brasileira, seja em razão de declínio técnico, de idade elevada, de má condição física e, em alguns casos, de todos estes fatores. Contudo, ainda assim, foram decisivos nos poucos momentos em que exibiram plenamente o talento que possuem. Vide o exemplo de Ronaldo, que, apesar de ficar afastado de boa parte das partidas do Corinthians no período em que lá esteve, ganhou dois campeonatos na condição de protagonista, ou de Adriano que, apesar de ter tido uma conturbada passagem pelo Flamengo, foi decisivo para a conquista do campeonato brasileiro pelo clube.
No entanto, os maiores benefícios para os clubes com estes retornos ocorrem fora das quatro linhas, tratando-se da geração de receitas com a possibilidade de explorar a boa reputação destes jogadores com ações de marketing e, principalmente, com a atração de patrocínios.
Os atletas estão atuando como “parceiros” dos clubes na captação de patrocínios. Robinho, por exemplo, em sua recente passagem pelo Santos fechou contrato particular com a empresa de gênero alimentícios SEARA, atraindo a mesma empresa para patrocinar o Santos. Através de Ronaldo, o Corinthians atraiu o patrocínio da VISA e do Banco Panamericano, entre outras empresas do mesmo porte. Esta é a única forma de manter a remuneração dos atletas “retornados” no mesmo patamar do mercado europeu.
No caso de Ronaldo, por exemplo, o Corinthians pagava R$ 400.000,00 por mês, mas o seu rendimento mensal chegava a R$ 2.000.000,00, em razão da participação do agora ex-atleta na renda obtida pelo clube através dos patrocínios. Em praticamente todos os contratos desses bem sucedidos atletas que retornaram da Europa, constam cláusulas neste sentido, inseridas, conforme argüido pelos clubes e pelos representantes dos jogadores, para manter o equilíbrio financeiro do contrato, já que clubes brasileiros não possuem estabilidade financeira a ponto de garantir isoladamente que os atletas sejam remunerados nos valores praticados na Europa. No caso mais recente de uma transferência desta natureza, a de Ronaldinho Gaúcho, a empresa de marketing esportivo TRAFFIC estaria presente na relação jurídica como uma espécie de avalista, para garantir os rendimentos do atleta caso o Flamengo não consiga arcar com estes.
Muito se tem discutido sobre se seria válido atrair estes atletas ao futebol brasileiro nesses moldes, se traz um acréscimo de qualidade aos clubes, se somente financeiro ou nem isso. Contudo, pouco se tem comentado sobre aspectos importantes destes contratos, como, por exemplo, os de natureza trabalhista.
O art. 2º da Lei 6.354/1976, que dispõe sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol, estabelece, no mesmo sentido do art. 3º da CLT, que o atleta que praticar futebol subordinado a um empregador (clube), mediante remuneração e contrato é empregado, decorrendo o vínculo desportivo do empregatício. Agora, pergunta-se: como o clube empregador de um atleta que recebe uma quantia milionária, muito maior do que os outros atletas da equipe e ainda atua como parceiro na captação de negócios vai ter condições de utilizar todos os poderes inerentes à condição de empregador perante o aludido profissional?
A prática vem mostrando que isso não vem ocorrendo. É inegável que o vínculo de subordinação com o empregador fica mais tênue nesses casos em que os atletas atuam praticamente em parceria com os clubes em ações de marketing e para obtenção de patrocínios, alem de receberem salários muito superiores aos dos outros atletas da própria equipe. Esses atletas consagrados muitas vezes faltam treinos, se atrasam na volta das férias, sem que sofram qualquer punição. Isso, sem dúvida, gera um descontentamento nos outros atletas, que sofrem as punições inerentes da relação empregatícia nesses casos, interferindo negativamente no rendimento esportivo da equipe.
Além disso, outro aspecto a ser verificado é que, os atletas consagrados que retornam ao Brasil, conforme já mencionado, muitas vezes recebem a maior parte dos seus rendimentos dos patrocinadores. Contudo, configurada a natureza salarial desses pagamentos realizados através de patrocínios, haverá incidência dos encargos trabalhistas sobre todo o valor recebido pelo atleta, o que pode acarretar em desagradáveis e vultosas reclamações trabalhistas em face dos clubes que estejam levando em conta para tais fins apenas o salário que paga aos atletas, ou até mesmo em face das empresas patrocinadoras, caso seja configurado vínculo empregatício direto entre elas e os atletas, tudo isso a depender de cada caso concreto.
Mesmo que craques consagrados estejam retornando ao país longe da melhor forma física e do ápice técnico, tais retornos causam um acréscimo de qualidade ao futebol nacional, atraem mais interesse do público e, com contratos bem elaborados, podem ser bastante rentáveis às associações futebolísticas. No entanto, para que tudo isso possa continuar ocorrendo, os dirigentes dos clubes, bem como os atletas e seus representantes, devem possuir plena ciência de que estes futebolistas são, apesar das vultosas quantias que auferem, empregados dos clubes, devendo cumprir com os deveres legais inerentes à condição de subordinado, sem prejuízo dos direitos trabalhistas, a que fazem jus, cuja observância também é essencial para a continuidade da interessante experiência do retorno dos maiores ídolos nacionais aos gramados brasileiros.
Jorge Luís Azevedo Nunes - Advogado do núcleo de negócios em Direito Desportivo do MBAF Consultores e Advogados S/S. Pós Graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito. esportivo@mbaf.com.br
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